Tem coisas na vida que a gente perde o costume. Esquece que um dia fez parte do vocabulário ou do dia a dia. Aí, quando acontece de vermos na nossa frente, rola um espanto. Como se você estivesse cara a cara com um bicho em extinção, passando assim na sua frente, um “mico leão de juba azul turquesa”, aquelas coisas que você acha que são raras e corre para pegar uma câmera e registrar.
Eu não sei em que momento da minha vida a gentileza passou a ser esse bicho extinto - que eu via com tanta freqüência quanto via um ano bissexto – mas ela voltou a fazer parte do meu cotidiano, desde que cheguei a Londres. E acostumada como eu estava com uma vida, por assim dizer, de “gentileza-free”, eu estranhei no começo.
Acho que a culpa deve ser da educação secular que paira entre os ingleses, mas os dias são seguidos de demonstrações da tal gentileza em extinção. Do senhor idoso que faz questão de se levantar para oferecer seu lugar no metrô a uma mulher jovem que está de pé (que obviamente não aceita, mas vale o gesto), às dezenas de “obrigados” e “desculpas” que escuto por dia, passando pela preciosa pergunta “tudo bem com você?”, que gente que mal me conhece faz questão de fazer em algum momento apropriado.
De sorrir e cumprimentar pessoas quando você está passando pela rua, simplesmente porque você quer deixar claro que enxerga o outro, à paciência ordeira na hora de enfrentar o rush do metrô, passando pela menina desconhecida que parou e me ofereceu o próprio celular, pois notou que eu estava com dificuldades em completar uma ligação no telefone público.
Dos programas dos museus (que custam uma libra) e ficam expostos para qualquer um pegar, apenas com um cofrinho para colocar o dinheiro do lado - porque as pessoas confiam umas nas outras -, ao carro que pára a rua para você atravessar, pois percebe que você vai perder o ônibus se não correr.
E eu não acho que isso seja exclusividade de um povo ou de um país, mas que em muitos lugares não estamos mais acostumados com a gentileza, isso não estamos. E sempre me comove. Do tipo “cara, não é que tem gente que ainda faz isso?”. E você quer retribuir. E eu não sei como a gente pode viver sem. E é bom. E a gente acaba voltando a acreditar nas pessoas.