Conto inacabado

E tudo não está, de fato, inacabado, mesmo que a vida chegue realmente ao fim? 

Fosse eu uma pessoa com a mínima sensibilidade para mentir de maneira convincente, inventaria alguma boa desculpa para este conto estar inacabado. Melhor. Ainda faria uso deste mote para me locupletar, dizendo que estou lançando um novo gênero literário. O primeiro conto não-acabado da história da literatura, a maior afronta à escrita linear - sem início, meio e fim – a inovação que consegue, por fim, emergir fazendo com que esta história fique no ar e continue, infinita, para deleite do público que ousar preenchê-la com os seus próprios finais. Eu poderia. Mas as mesmas mãos capazes de escrever ficção não são capazes de escrever mentiras. A mim este dom foi negado - extraído da minha genética - e me considero menos privilegiada do que aqueles que conseguem ter a mentira como aliada. 

Pois bem, eu não vou tentar enganar você, leitor, dizendo que você lerá uma história completa. Tanto que, para poupá-los do serviço de seguir mais um parágrafo nesta enrolação, aviso logo nas primeiras linhas que esta história não irá levá-lo a lugar nenhum, muito menos deixá-lo com alguma lição para pensar no fim do dia. Não tenho personagens, nem enredo, nem um ápice na trama. Escrever um conto inacabado talvez seja a maior liberdade que alguém possa ter. Eu vou terminar quando eu quiser. Onde a preguiça me pedir para parar, assim sem avisar. Nem a você, nem a ninguém. 

Se você insiste em continuar por estas linhas, é porque assim como eu e esta história, encontra-se com tanta coisa inacabada em sua própria vida, que não vai fazer mal acabar um conto inacabado. Pelo contrário, já é um começo. Um anúncio de que somos capazes de sermos finitos em algo. Aos mais ansiosos em manterem-se fiéis à causa inacabada, aviso que finalizar um conto que não tem fim é o menor dos problemas. Afinal, terminar uma história escrita por terceiros, não significa terminar nada na sua própria vida. De certa forma, é um atraso. Uma desculpa esfarrapada, um desvio no percurso rumo à tarefa de acabar as coisas que você deixou pendente.

Estamos então todos no mesmo complô. Eu fingindo que tenho algo para escrever, você fingindo que tem algo para ler. E nós, passando o tempo, como quem não tem nada mais para fazer. Não é bom assim?

Comments
One Response to “Conto inacabado”
  1. Anônimo says:

    Até que enfim decidiste compartilhar teu talento! Que belo e original conto! Estou muito feliz, e te agradeço por tudo o que me dás!

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