Porquê eu gosto do Woody Allen (ou a arte de jogar pingue-pongue)


Tem muita gente que tem um ranço com o Woody Allen. Gente que fica implicando com as neuroses, as repetições dele, encenadas com insistência filme após filme. Ultimamente, minha teoria para essas pessoas é a seguinte: elas não sabem jogar pingue-pongue. Pois pingue-pongue é um jogo aparentemente tolo, insosso até, mas que exige concentração, técnica e também uma certa vontade de despir-se de qualquer pretensão, para jogá-lo com o mínimo de destreza. E se você não sabe fazer isso, não sabe assistir ao que o diretor propõe. Woody Allen é um exímio jogador de pingue-pongue. E - veja bem - eu poderia querer complicar e fazer a analogia com o Tênis, mas este é um esporte pomposo e que exige muitos e grandiosos recursos para ser jogado. 

Não, não. Woody Allen instala a sua mesinha de pingue-pongue em qualquer canto (assim como as suas histórias migram para onde os financiadores o levam), com uma independência que só um esporte pouco afetado como o pingue-pongue pode garantir. Por muitos anos, Nova Iorque foi o QG oficial dos campeonatos promovidos pelo diretor. Nos últimos tempos, as disputas ganharam as ruas européias, mas nem por isso as raquetadas que Woody mira na audiência são menos velozes e certeiras. E as disputas - vale dizer - nunca envolveram grandes efeitos, tomadas monumentais, tecnologia 3D, ou alienígenas azuis para unir forças com o diretor na tarefa de ganhar o público. A partida travada por Woody com o espectador é de homem para homem, argumentada só na base do diálogo, e sem frase de efeito pra impressionar a audiência. 

Compreender um roteiro assim, tão cru e mundano que chega a parecer uma peça de teatro transposta para a tela grande, é tarefa para quem tem reflexos rápidos e que não se distrai com qualquer bobagem. É preciso estar atento para que nada passe batido, já que tudo soa tão corriqueiro que às vezes parece que as cenas acontecem na sala da gente. Desde os primórdios - das comédias com premissas estapafúrdias, até as (bem sucedidas) tentativas de fazer cinema “sério” (como ele mesmo diz)- assistir a um filme do diretor é um exercício de correr de canto a canto na mesa de pingue-pongue para não deixar a bolinha escapar do nosso alcance. 

É preciso saber que o jogo de Allen é o da insistência - e mesmo cheio de jogadas ensaiadas e previsíveis como todo o bom diretor que faz “filmes-assinatura” joga - é surpreendente em detalhezinhos que duram uma fração de segundos, como aquelas raquetadas inesperadas que resolvem um ponto decisivo e faz com que todos aplaudam em quadra a decisão inesperada. 

E Woody é tão esperto que, assim como um jogador engana para onde vai jogar a bola, ele nos mente sobre quem é de fato. Tanto que forjou para si a tese de que é um homenzinho descontrolado e neurótico, quando na verdade é um homem disciplinado e com um senso prático desconcertante, que em nada a lembra a persona indecisa e frágil que criou para si mesmo nas telas de cinema. Jogada de mestre. 

Por fim, para gostar de Woody Allen, é preciso saber que todas as partidas são jogadas não CONTRA os espectadores, mas COM eles, daí a necessidade de todos saberem jogar pingue-pongue. E, claro, embora saibamos que não há competição entre nós e o diretor, é preciso também saber ser um bom perdedor. A raquetada final é sempre do Woddy, e isso é bom. Eu adoro um match point.

Comments
One Response to “Porquê eu gosto do Woody Allen (ou a arte de jogar pingue-pongue)”
  1. Matheus says:

    Excelente texto sobre um excelente diretor. Curto muito os filmes dele, a forma como ele desenvolve as tramas e consegue envolver o público somente na base do diálogo, indo totalmente na contramão dos blockbusters e da indústria estadunidense de cinema. Woody rules.

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