(Uma mulher de meia idade está parada em frente à câmera filmadora)
- Tá ligado, Soraya? Posso começar? Posso?
(Pigarreia. Limpa a voz.)
- Olha aqui Carlos Eduardo, quando tu estiveres vendo essa vídeo-mensagem, eu já vou estar bem longe deste dvd, bem longe dessa televisão e principalmente, BEM longe dessa casa que até hoje eu dividi contigo... quer dizer, longe, assim longe eu não vou estar, porque eu vou pra casa da Soraya, que fica só três quadras da nossa casa. De qualquer maneira, não interessa! Só pra explicar, essa é uma mensagem pé na bunda. Isso significa que está tudo acabado entre a gente. É bom eu explicar direitinho porque tu nunca entendes nada que eu te digo, e às vezes eu fico na dúvida se tu és insensível ou burro mesmo. Hoje eu vou te chamar de insensível, porque eu sempre te defendi quando a minha mãe te chamava de burro, e fica chato agora eu dar o braço a torcer à ela. Então, pra simplificar, tô gravando esse vídeo pra não ter vontade de te esganar se te visse pessoalmente. Tu deve estar perguntando porque eu não te esganei há meia hora atrás quando tu saiu para trabalhar. É que eu sou uma mulher fina, Carlos Eduardo, coisa que tu nunca deste valor. Mas agora chega! Estou saindo da tua vida. Não me liga, não me procura, me risca da tua listinha de telefone!
(Pára e pensa um pouco).
- Quer dizer, não risca da listinha, que de repente pode surgir uma emergência e tu pode precisar me contatar. Faz assim ó: me liga só se acontecer alguma coisa grave ou se o Rex sentir minha falta. Eu não vou conseguir levar ele porque tu sabe como é a Soraya, né? A tua irmã nunca gostou de cachorro. Mas estou levando todo o resto que é meu, viu?!! Os móveis que eu comprei e o dvd que eu ainda nem terminei de pagar as prestações. Ah, eu estou levando aquela cueca tua, que eu gosto de dormir com ela, é folgadona. E só pra ti não me chamar de ladra, eu já vou avisando que fui eu quem pegou os dois cigarros que tão faltando na tua carteira...Não, não te preocupa não que eu não voltei a fumar, é só nervosismo mesmo... imagina tanto trabalho pra largar o vício! A minha psicóloga disse que eu faço isso pra me auto-boicotar.
(Pensa, decidida.)
- Mas eu sei que eu não vou voltar a fumar! Bom, se eu voltar a fumar eu volto aqui em casa e pego aqueles adesivos de nicotina que eu te dei e tu nunca usaste. E depois, tu não tens de te preocupar comigo! A gente não vai mais estar junto mesmo! E não pensa que eu vou morar com a tua irmã só pra continuar sabendo da tua vida não, viu? A Soraya também concorda que tu não presta pra mim, né Soraya? Inclusive é ela que tá me emprestando a câmera que ela comprou na semana passada pra gravar isso... Tu ia adorar essa câmera Carlos Eduardo, tem um monte de botãozinho, tem até uns efeitos especiais. Tu podia botar um nessa gravação pra ele ver, né Soraya? Quê que foi, Soraya? Ah, tá! A Soraya tá falando que vai acabar o "coisinho" da memória. Enfim, eu comprei pão e leite hoje, a maionese que tu gosta está na geladeira. Não te esquece de passar o creme pra micose no teu pé. Ai, eu ia me esquecendo... não te esquece de tomar o antibiótico, não pode esquecer, que senão não faz efeito...(pausa) Tu vai esquecer que eu te conheço...imagina, tu só não esquece do teu nome porque está na carteira de identidade...
(Para e pensa)
- Quer saber, Soraya? É capaz de ele nem ver essa fita, porque se não sou eu juntar as tralhas dele pela casa, ele deixa tudo como está. Vamos fazer assim: desliga isso aí, Soraya, eu termino com ele na semana que vem, que aí o antibiótico já acabou, eu vou embora de consciência limpa, tá? ...Deu, desligou? Deu? Tá.
vamos gravar?
Vamossss! aiiiii....vamos? tá.
Bah, muito, mas muito legal!